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LUZESCRITA
Espaço Cultural Porto Seguro, São Paulo, 2017
Caixa Cultural Brasília, Brasília, 2014
Caixa Cultural Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013
Sesc Paço da Liberdade, Curitiba, 2011
Galeria Solar Ferrão no Pelourinho, Salvador, 2010

Fotografia é uma palavra que deriva do grego, photographia. Traduzida literalmente, significa “escrita de luz”, mas, para alguns especialistas, é explicada também como “poesia da imagem”. Em Luzescrita, essas duas ideias se aproximam e se expandem com o encontro dos artistas Arnaldo Antunes, Fernando Laszlo e Walter Silveira.

 

O poeta, tradutor e artista Augusto de Campos cita, na introdução de sua série seminal da poesia concreta, “Poetamenos”, de 1953, a vontade de possuir uma representação gráfica de letras luminosas, que denominou “filmletras”, um prenúncio ao dinamismo presente nas obras de Luzescrita. “Luz, câmera, ação!” Essa frase clássica do meio cinematográfico se encaixaria perfeitamente aqui. Experimentos que utilizam pólvora, lâmpadas, fita adesiva, fogo, espelho, ferro, cartolina e refletores. Poemas de Arnaldo e Walter se fundem às imagens de Fernando em um processo de elaboração coletiva que busca soluções para fazer uma poesia luminosa.

 

Imagens que surgem do instante eternizado pelo registro fotográfico das ações e dos objetos-poéticos elétricos, típicas engenhocas luminosas do inventivo professor Pardal. Os poemas são “tiradas” rápidas e instantâneas, espécies de haicais brasileiros, com forte ambiguidade e muito senso de humor, herdeiras ressignificadas da poesia concreta e visual brasileira e em diálogo estreito com as artes visuais. Um processo sobretudo artesanal, que resulta em fotografias, vídeos, objetos e instalações de poética singular e visualidade única.

 

As fotos, à primeira vista, possuem uma imagética tecnológica que parece ter sido criada digitalmente. Contudo, são reproduções diretas das in(ter)venções poéticas.

 

O processo de construção da imagem é o mesmo utilizado pelos “fotógrafos agricultores”, termo cunhado pelo artista canadense Jeff Wall para designar aqueles que constroem as cenas previamente à realização da fotografia, que se torna, ao final, um suporte para a formalização de uma ideia. Conceito que é o contraponto do “fotógrafo caçador”, mencionado pelo fotógrafo Ansel Adams, em alusão ao uso da câmera como uma espingarda que busca “caçar” o instante mágico e perfeito a ser registrado.

 

A contemporaneidade de Luzescrita está calcada sobretudo no limite tênue das fronteiras entre linguagens e estilos – uma pesquisa iniciada em 2002 e que, em 2010, foi formatada pela primeira vez como exposição, dando início a um processo de contínua retroalimentação e aumento gradual de sua materialidade.

 

Na primeira mostra, realizada em Salvador, havia cerca de vinte fotografias e quinze objetos de luz. Após ser montada em Curitiba, Brasília, Rio de Janeiro, Paraty e Vila Nova de Cerveira (Portugal), com a adição gradual de novas obras e a realização de novas fotografias, chegou a São Paulo com cerca de sessenta obras, completando um processo construtivo-poético-visual que atinge quinze anos.

 

Os artistas são híbridos, por natureza, e possuem trajetórias distintas, para além do mundo das artes visuais. Arnaldo, além de artista visual, é escritor, compositor e cantor. Walter é um dos pioneiros da videoarte no Brasil, tendo dirigido incontáveis canais de tv e vídeos de naturezas diversas, além de possuir uma carreira individual no meio das artes. Fernando tem uma sólida trajetória como fotógrafo.

 

A dialética está presente em toda a proposta da exposição, refletida nesta publicação. As relações entre digital e analógico, claro e escuro, abstrato e concreto, low-tech e high-tech, efêmero e eterno são exploradas na concepção dos trabalhos, tanto no conteúdo quanto na forma.

 

Essa tensão se acentua pela proposta curatorial da montagem, que divide a mostra em dois espaços: a Sala Clara, onde estão expostas as fotografias; e a Sala Escura, que abriga os objetos e instalações de luz. Uma alusão também às salas clara/escura do processo de revelação da fotografia analógica, onde a imagem surge por meio de processos químicos e manuais, ou à caverna de Platão, que, filosoficamente, retrata uma realidade sem nunca ser ela mesma.

 

A publicação busca manter o mesmo roteiro da mostra, primeiro exibindo as imagens formalizadas como fotografia para depois revelar os objetos de luz e as ações processuais que foram fotografadas. Agradecemos muito especialmente pela colaboração textual e o apurado olhar de Lucia Santaella, e pelo poema-texto-luz homenagem do mestre Augusto de Campos ao nosso trio de poetas luminosos.

 

No final do livro, apresentamos ainda um pequeno texto sobre o percurso de Luzescrita até o presente, que conta também com imagens de diferentes montagens realizadas nos últimos anos.

 

Foram tantas maneiras diferentes de se chegar à “escrita luminosa” que os artistas decidiram por uma espécie de “bula”, explicando os métodos de criação de cada obra. O resultado reside na fronteira das linguagens, no limite híbrido entre a literatura e as artes visuais, território habitado por artistas-poetas que imaginam a obra, explorando-lhe a forma para ampliar seu significado. Ao final, são fotografias e objetos de “instala-ações” poéticas que sugerem um conceito estético e uma nova forma de escrita, com luz.
 

Daniel Rangel
curador e organizador

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